Tuesday, May 27, 2025

54 - Espectros

Espectros de Marx

Tribuna de Petrópolis

18 de Outubro de 2001

Jacques Derrida comenta de forma irônica as tentativas de driblar e ocultar os Espectros de Marx, que insistem em retornar e reaparecer ao final do séc. XX. Como o espectro do Rei Hamlet shakespeariano, que insiste em reaparecer aos seus soldados e a seu filho depois de sacrificado, enquanto seu enterro e o novo casamento da Rainha com o usurpador são feitos às pressas, as tentativas de enterrar o Karl Marx físico, individual, o autor simplesmente, apenas denotam o pavor diante do retorno infalível da teses marxistas e daqueles espectros de seu pensamento que pertencem, não a ele, o autor, mas à história social do Ocidente.

Os Espectros de Marx são aquelas modalidades de seu pensamento que pertencem ao tecido social no qual o pensador buscou se inserir analiticamente em seu tempo. Exatamente pela força de sua inserção, estes espectros estão se atualizando novamente em nosso tempo, através do tecido social. É o mesmo que dizer que, mesmo que alguns dos pensadores marxistas não existissem, estas idéias estariam presentes, porque pertencem de fato ao sistema e ao sentido em que está organizada a civilização do Ocidente desde a Revolução Francesa.

As definições de Divisão Social do Trabalho e Modo de Produção utilizadas por Marx são tão úteis e operacionais em 1850 quanto são em 2001. Desconhecer Marx como cientista social é o mesmo que desconhecer cada uma das diversas etapas em que o Ocidente desenvolveu seu Pensamento e seu auto-reconhecimento. Marx é um dos pensadores enraizados na cultura do Esclarecimento ou Aufklärung setecentista, cuja ambição maior era compreender, interpretar, analisar, o mundo, ou a sociedade, com alguma autonomia filosófica livre dos dogmas conceituais históricos.

A idéia de Ciência Social neste caso, não é uma idéia de verdade última ou conhecimento final sobre o que está acontecendo na Sociedade, mas de interpretação e conhecimento o mais objetivos possíveis, com o “despossuimento” da pessoa e dos dogmas individuais diante de um cenário que se pretende compreender. O caráter de construtivismo e de estruturalismo em Marx é o mais importante: a possiblidade de uma interpretação que se renova e que pode sempre abranger mais, formulando-se, assim, uma tradição de conhecimento. Marx fazia a análise e a síntese constantes de dezenas de pensadores socialistas e anarquistas de seu tempo.
















Carlos Marques nasceu na Renânia, o mais Cosmopolita distrito alemão, em meados da década de 30. Nos anos 50 fez estudos de Antropologia e Ciências Sociais em Frankfurt, onde se tornou catedrático, e vive até hoje, como um ESPECTRO de KARL MARX...
Recentemente declarou o ESPECTRO: "Pretendo viver mais que o velho marechal Hindenburg, para ver de pé a derrocada da Regime Financeiro Mundial, quando finalmente a Tese Socialista se tornará irrevogável".

Segundo ele, a privatização infinita da moeda levou ao anseio na direção oposta, que é a plena estatização da emissão monetária:
-- "A estatização da moeda é a conclusão lógica e historicamente necessária frente aos destroços do capitalismo financeiro, e o primeiro passo efetivo para o Estado Socialista".


Com seu papel contemporâneo de ditar os rumos da Cultura, a imprensa tem decretado ultimamente o “fim do Marxismo”, ou que “Marx não deu certo” como se o grande autor fosse um pensador voluntarioso (de acordo, exatamente, com o caráter subjetivista e voluntarioso como o pensamento social pequeno-burguês vê seus autores na realidade). Marx nos dá a lição, como todos os outros pensadores da tradição ocidental, de enraizamento na experiência social, empirismo e análise conjugadas. Num segundo momento de seu percurso Marx se torna também ativista, conforme o famoso lema “Os filósofos até agora interpretaram o mundo, é preciso doravante transformá-lo”. E isto é consequência da segurança obtida com as interpretações históricas feitas por ele e seus contemporâneos.

Marx, é claro, não deu receitas do “bem governar”, como Maquiavelli... A segunda grande preguiça mental do comentário jornalístico habitual é identificar o Marxismo com o regime soviético. Isto, é claro, em parte induzido pela necessidade de se identificar ideologicamente com um dos “dois lados” da confrontação Ocidente–URSS. As agências de notícias internacionais pró-ocidente são altamente monopolizadoras e concentradoras da informação, “matando” as versões diferenciais. As condições da política e da sociedade na América Latina, definitivamente, nada têm a ver com a “Queda do Muro de Berlim”. Inclusive, nos anos 60, os golpes de estado pró-EUA vieram exatamente num momento em que algumas nações da América Latina estavam tentando sair do dualismo da Guerra Fria.

Marx faz a análise da função das classes trabalhadoras dentro do Capitalismo, e desenvolve uma tese sobre seu possível desempenho na mudança da sociedade burguesa. Isto é a análise do desenho dinâmico de uma sociedade. De forma alguma,  uma receita de como se tomar o poder do Estado, e muito menos de como governar. O episódio da Revolução bolchevique, e toda a política leninista, é apenas uma versão possível dos fatos, assim como a política de outras lideranças revolucionárias, socialistas, comunistas, etc, em várias nações ao longo do tempo. É possível se inspirar nas análises e nas teses marxistas, assim como pode-se inspirar nas diversas leituras históricas, mas não é possível se responsabilizar uma leitura pelas condições políticas de uma sociedade. Se Marx houvesse atravessado vivo o séc. XX, provavelmente teria mudado de opinião sobre nossos Estados constituídos, assim como nós outros mudamos de opinião.

Já uma nova preguiça mental é dizer que “a Revolução Francesa deu certo”, ou que “O Capitalismo” ou os “Estados Unidos” deram certo, ou que a “URSS não deu certo”... Fica claro que depois da Revolução Francesa veio Napoleão, e que a Revolução de 1789 foi refeita e desfeita várias vezes, sendo portanto um processo histórico: E isso, exatamente, como os processos históricos analisados por Marx. Uma nova República, ou um regime socialista, não se instauram só pelo ato formal de instauração ou revolução. São atos que resultam de uma maturação de possibilidades ao longo de períodos.

Quanto aos Estados Unidos, ou o Capitalismo, dizer que “deram certo”, é muito difícil, no momento em que estas instâncias ameaçam a existência física do planeta (a equação: mais-valia igual a crescimento do PIB igual a Efeito Estufa). E a União Soviética, que teve seu fechado regime político desconstruído, resultou de um processo estatal concentrado, que levou uma nação camponesa à liderança no campo científico, tecnológico, industrial e militar: se é que isto significa “dar certo”!

Friday, May 23, 2025

53 - Artigos Petropolitanos

Prezado Leitor: Nesta data ao final de 2024 estamos inserindo mais nove artigos jornalísticos petropolitanos, e dois Programas para Cultura, nestas páginas a seguir do Blogue Washington (incluindo na Página-19).

O Blogue Washington foi criado em 2007 para observarmos as peripécias de cinismo, abuso e cretinice que tomaram conta da Capital da República Ianque Desmoronada -- Desde os atentados "Nine-Eleven".


Notas da Cultura

Tribuna de Petrópolis

27 de Setembro de 2001

a) Para a maioria das pessoas Arte e Cultura são apenas Representação e Entretenimento. Faríamos canções, ou pinturas, ou peças teatrais apenas para celebrar tudo aquilo que já está, de uma forma ou de outra, reconhecido pela tradição. Para muitos, o Estado deve fomentar a Cultura no sentido de proteger os “direitos” daqueles que querem expressar profissionalmente a representação e o entretenimento, oferecendo salários públicos.

b) A parte mais relevante da criação artística, entretanto, tem sido estranha aos estados constituídos, estranha mesmo a qualquer fomento. Para muitos artistas é necessário “pagar” para poderem apresentar socialmente suas criações. Neste outro sentido, oposto ao anterior, estão os artistas radicais, que se vêem como revolucionários, e que só podem conceber a arte como contestação das formas sociais constituídas. Estes artistas, assim, deparam-se, queixosamente, com uma marginalidade já previamente suposta.

c) Neste divórcio, o Estado acaba por se tornar apenas um conservador de arte e cultura, protegendo a cultura conservadora. Na cultura conservadora estão os “eruditos”, aqueles que são capazes de reapresentar de forma cumulativa a história cultural, com acervos cada vez maiores de fatos já sabidos, ou que devem ser sabidos, de maneira a celebrar a Representação e o Entretenimento.

d) Numa nota especial na história da cultura conservadora devemos contemplar o Pedantismo: o fim da crítica e da auto-crítica, o exibicionismo da pessoa em torno de uma mesma questão consagrada, o ritual das homenagens mútuas, o reconhecimento do que já está reconhecido, a impossibilidade de criar, a linguagem legítima só pelo dicionário, a exposição do repertório cumulativo inútil, a cultura como bagagem – não como carruagem

e) A cultura clássica, habitualmente, é a maior vítima do Pedantismo. Na cultura clássica, alegria e serenidade se encontram, a tragédia, o humor e o romance se substituem infinitamente. Para muita gente, seria assustador, por exemplo, descobrir em Homero o tom desmesurado, aventureiro, arbitrário, por trás das traduções solenes, vetustas e empoladas.

f) De um lado a Cultura como Conservação, de outro como Transgressão: é difícil encontrar o comentário que descobre uma marca original, a crítica que descobre um valor falsificado no que foi consagrado, a nova versão que realça tons que estavam indefinidos, a recriação daquilo que foi dado como Real.

g) As sociedades felizes desenvolvem artes que têm o caráter clássico: a celebração devida de algo que esteve por muito tempo em maturação, que nasceu da contradição e da dificuldade, mas que, finalmente, pôde ser constituído e expresso. As sociedades estagnadas necessitam da arte revolucionária.

h) Somente um estado revolucionário pode sustentar arte revolucionária. O revolucionário não é a guerra civil. O revolucionário pode ser bastante pacífico e sutil: em verdade, é o revolucionário que pode evitar a guerra civil. Revoluções se tornam violentas quando inviabilizadas, pela violência sofrida, ou pela repressão sistemática à mudança, que se apresenta historicamente.

i) Em nossa cidade, os heróis do conservadorismo e da arrogância, duques e barões assinalados, continuam a fomentar o ódio ao Esclarecimento, disseminando preconceitos e a lógica maniqueísta. A diferença entre pobres e ricos é reiterada e estratificada, de modo a que os ricos tenham o mérito por sua riqueza, e os pobres a culpa por sua pobreza... Como se sabe, há muita pobreza espiritual que é consequência da riqueza material, assim como é possível o surgimento de gênios dentro da pobreza material.

j) Numa direção oposta ao sectarismo dos duques e barões assinalados, podemos observar o sectarismo da arte que denuncia a “repressão”. Tentando alcançar um caráter romântico, toda a ação está concentrada numa explosão emocional contida, que precisa ser “liberta”. Ao invés de libertários, tornam-se os sempre sofredores-da-arte, que necessitam da repressão, como tal, para a montagem de um sentido estético.

k) Em nossa pseudo-modernidade de celebrações tecnológicas, uma consideração especial deve ser dirigida aos artistas de teatro: rodeados por todas as máquinas que nos seduzem, estes artistas são capazes de entrar em ação apenas com a máquina de seus corpos.

l) O fato de a Arte Naïf ser tratada como tal, mostra como é difícil a conceituação do valor artístico. Por outro lado, a capacidade de pesquisa e elaboração de alguns artistas, inseridos em épocas ou classes sociais “ricas”, requer o reconhecimento de uma certa afirmação de valor elitizado. Os heróis do sectarismo confundem propositalmente o valor estético elitizado com o sentido de elite social e econômico valorizado, obliterando a abundância de produção Naïf na classe burguesa.























Prédio de 1872, na Av. Koeler, 260. Já foi Colégio São José, e Fundação Cultural. Agora abriga a Prefeitura.
O jovem major e engenheiro Julius Friedrich Koeler era de Mainz, e emigrou para o Brasil, para se incorporar às nossas tropas. Dom Pedro Primeiro havia comprado as terras do atual sítio de Petrópolis, que eram de densa floresta, mas nada foi construído por ali. No tempo de Dom Pedro Segundo, a partir de 1843, o major Koeler conseguiu se instalar na Fazenda do Córrego Seco [Corrêas], já trazendo alguns colonos alemães. A Coroa em seguida contrata Koeler para fazer o mapa para a Povoação de Petrópolis, e a planta para o atual Palácio Imperial.


m) Um sectarismo mais recente, baseado num deslumbramento para eles original sobre um tema antigo, é o daqueles que acreditam ser a pintura abstrata não a conquista ritualística de uma etapa da experiência, mas a consagração consumada da arte pictórica (em termos da história da cultura ocidental). O dualismo abstrato versus figurativo é explorado como se encerrasse a chave filosófica da interpretação estética, resultando num discurso entediante.

n) A qualidade de abstração que é identificada à pintura contemporânea é fruto de uma pesquisa na direção das formas, substâncias e colorações originais na possibilidade da expressão, assim como das “forças” as quais pode possuir, ou ser por elas possuído, o artista que preenche uma tela. A arte que é “contemporânea” é um ritual de passagem e um comentário sobre o que já foi vivido.

o) Provavelmente, ao longo do tempo, a arte da pintura terá muito mais a característica mista abstrato-figurativo, do que as características exclusivas somente abstrato, ou somente figurativo. A tensão entre as duas concepções certamente retornará infinitamente no tempo cultural.

p) A arte revolucionária (ou qualquer ação com este caráter) deve ter a semelhança de uma Contracultura. Consequência, principalmente, do Pensamento da Costa Oeste norte-americana nos anos 70, a Contracultura se diferencia do revolucionarismo dialético, do alternativismo, do anarquismo, do pós-modernismo, da integração forçada, da decadência, da contestação e das “anti-culturas”.

O gesto dialético está profundamente envolvido com aquilo que deseja negar, ou superar, de modo que uma nova modalidade só pode surgir comprometida, numa ligação estrutural, com a velha modalidade: O diálogo é exaustivo, passo a passo, por meio de acordos e desacordos, de afirmação e negação, um recuo depois de cada avanço... A cultura dialética vive de uma ética tímida, sem o brilho estético ou filosófico.

Enquanto o Alternativismo é o simples afastamento e tentativa de sobrevivência ao largo, a Contracultura (no original, movimento de contraponto e retorno) é o ritual do afastamento, reconstituição da Cultura num sentido autônomo e crítico, inclusive das tradições, e reinserção polêmica na cultura oficializada. A condição interna do ato é de independência e provocação. Ao invés da contestação, a cultura oficial recebe um “presente”, que é suficiente para neutralizá-la, ou desconstruí-la.

C.M.Barroso – Centro de Cultura Raul de Leoni