Friday, May 23, 2025

53 - Artigos Petropolitanos

Prezado Leitor: Nesta data ao final de 2024 estamos inserindo mais nove artigos jornalísticos petropolitanos, e dois Programas para Cultura, nestas páginas a seguir do Blogue Washington (incluindo na Página-19).

O Blogue Washington foi criado em 2007 para observarmos as peripécias de cinismo, abuso e cretinice que tomaram conta da Capital da República Ianque Desmoronada -- Desde os atentados "Nine-Eleven".


Notas da Cultura

Tribuna de Petrópolis

27 de Setembro de 2001

a) Para a maioria das pessoas Arte e Cultura são apenas Representação e Entretenimento. Faríamos canções, ou pinturas, ou peças teatrais apenas para celebrar tudo aquilo que já está, de uma forma ou de outra, reconhecido pela tradição. Para muitos, o Estado deve fomentar a Cultura no sentido de proteger os “direitos” daqueles que querem expressar profissionalmente a representação e o entretenimento, oferecendo salários públicos.

b) A parte mais relevante da criação artística, entretanto, tem sido estranha aos estados constituídos, estranha mesmo a qualquer fomento. Para muitos artistas é necessário “pagar” para poderem apresentar socialmente suas criações. Neste outro sentido, oposto ao anterior, estão os artistas radicais, que se vêem como revolucionários, e que só podem conceber a arte como contestação das formas sociais constituídas. Estes artistas, assim, deparam-se, queixosamente, com uma marginalidade já previamente suposta.

c) Neste divórcio, o Estado acaba por se tornar apenas um conservador de arte e cultura, protegendo a cultura conservadora. Na cultura conservadora estão os “eruditos”, aqueles que são capazes de reapresentar de forma cumulativa a história cultural, com acervos cada vez maiores de fatos já sabidos, ou que devem ser sabidos, de maneira a celebrar a Representação e o Entretenimento.

d) Numa nota especial na história da cultura conservadora devemos contemplar o Pedantismo: o fim da crítica e da auto-crítica, o exibicionismo da pessoa em torno de uma mesma questão consagrada, o ritual das homenagens mútuas, o reconhecimento do que já está reconhecido, a impossibilidade de criar, a linguagem legítima só pelo dicionário, a exposição do repertório cumulativo inútil, a cultura como bagagem – não como carruagem

e) A cultura clássica, habitualmente, é a maior vítima do Pedantismo. Na cultura clássica, alegria e serenidade se encontram, a tragédia, o humor e o romance se substituem infinitamente. Para muita gente, seria assustador, por exemplo, descobrir em Homero o tom desmesurado, aventureiro, arbitrário, por trás das traduções solenes, vetustas e empoladas.

f) De um lado a Cultura como Conservação, de outro como Transgressão: é difícil encontrar o comentário que descobre uma marca original, a crítica que descobre um valor falsificado no que foi consagrado, a nova versão que realça tons que estavam indefinidos, a recriação daquilo que foi dado como Real.

g) As sociedades felizes desenvolvem artes que têm o caráter clássico: a celebração devida de algo que esteve por muito tempo em maturação, que nasceu da contradição e da dificuldade, mas que, finalmente, pôde ser constituído e expresso. As sociedades estagnadas necessitam da arte revolucionária.

h) Somente um estado revolucionário pode sustentar arte revolucionária. O revolucionário não é a guerra civil. O revolucionário pode ser bastante pacífico e sutil: em verdade, é o revolucionário que pode evitar a guerra civil. Revoluções se tornam violentas quando inviabilizadas, pela violência sofrida, ou pela repressão sistemática à mudança, que se apresenta historicamente.

i) Em nossa cidade, os heróis do conservadorismo e da arrogância, duques e barões assinalados, continuam a fomentar o ódio ao Esclarecimento, disseminando preconceitos e a lógica maniqueísta. A diferença entre pobres e ricos é reiterada e estratificada, de modo a que os ricos tenham o mérito por sua riqueza, e os pobres a culpa por sua pobreza... Como se sabe, há muita pobreza espiritual que é consequência da riqueza material, assim como é possível o surgimento de gênios dentro da pobreza material.

j) Numa direção oposta ao sectarismo dos duques e barões assinalados, podemos observar o sectarismo da arte que denuncia a “repressão”. Tentando alcançar um caráter romântico, toda a ação está concentrada numa explosão emocional contida, que precisa ser “liberta”. Ao invés de libertários, tornam-se os sempre sofredores-da-arte, que necessitam da repressão, como tal, para a montagem de um sentido estético.

k) Em nossa pseudo-modernidade de celebrações tecnológicas, uma consideração especial deve ser dirigida aos artistas de teatro: rodeados por todas as máquinas que nos seduzem, estes artistas são capazes de entrar em ação apenas com a máquina de seus corpos.

l) O fato de a Arte Naïf ser tratada como tal, mostra como é difícil a conceituação do valor artístico. Por outro lado, a capacidade de pesquisa e elaboração de alguns artistas, inseridos em épocas ou classes sociais “ricas”, requer o reconhecimento de uma certa afirmação de valor elitizado. Os heróis do sectarismo confundem propositalmente o valor estético elitizado com o sentido de elite social e econômico valorizado, obliterando a abundância de produção Naïf na classe burguesa.























Prédio de 1872, na Av. Koeler, 260. Já foi Colégio São José, e Fundação Cultural. Agora abriga a Prefeitura.
O jovem major e engenheiro Julius Friedrich Koeler era de Mainz, e emigrou para o Brasil, para se incorporar às nossas tropas. Dom Pedro Primeiro havia comprado as terras do atual sítio de Petrópolis, que eram de densa floresta, mas nada foi construído por ali. No tempo de Dom Pedro Segundo, a partir de 1843, o major Koeler conseguiu se instalar na Fazenda do Córrego Seco [Corrêas], já trazendo alguns colonos alemães. A Coroa em seguida contrata Koeler para fazer o mapa para a Povoação de Petrópolis, e a planta para o atual Palácio Imperial.


m) Um sectarismo mais recente, baseado num deslumbramento para eles original sobre um tema antigo, é o daqueles que acreditam ser a pintura abstrata não a conquista ritualística de uma etapa da experiência, mas a consagração consumada da arte pictórica (em termos da história da cultura ocidental). O dualismo abstrato versus figurativo é explorado como se encerrasse a chave filosófica da interpretação estética, resultando num discurso entediante.

n) A qualidade de abstração que é identificada à pintura contemporânea é fruto de uma pesquisa na direção das formas, substâncias e colorações originais na possibilidade da expressão, assim como das “forças” as quais pode possuir, ou ser por elas possuído, o artista que preenche uma tela. A arte que é “contemporânea” é um ritual de passagem e um comentário sobre o que já foi vivido.

o) Provavelmente, ao longo do tempo, a arte da pintura terá muito mais a característica mista abstrato-figurativo, do que as características exclusivas somente abstrato, ou somente figurativo. A tensão entre as duas concepções certamente retornará infinitamente no tempo cultural.

p) A arte revolucionária (ou qualquer ação com este caráter) deve ter a semelhança de uma Contracultura. Consequência, principalmente, do Pensamento da Costa Oeste norte-americana nos anos 70, a Contracultura se diferencia do revolucionarismo dialético, do alternativismo, do anarquismo, do pós-modernismo, da integração forçada, da decadência, da contestação e das “anti-culturas”.

O gesto dialético está profundamente envolvido com aquilo que deseja negar, ou superar, de modo que uma nova modalidade só pode surgir comprometida, numa ligação estrutural, com a velha modalidade: O diálogo é exaustivo, passo a passo, por meio de acordos e desacordos, de afirmação e negação, um recuo depois de cada avanço... A cultura dialética vive de uma ética tímida, sem o brilho estético ou filosófico.

Enquanto o Alternativismo é o simples afastamento e tentativa de sobrevivência ao largo, a Contracultura (no original, movimento de contraponto e retorno) é o ritual do afastamento, reconstituição da Cultura num sentido autônomo e crítico, inclusive das tradições, e reinserção polêmica na cultura oficializada. A condição interna do ato é de independência e provocação. Ao invés da contestação, a cultura oficial recebe um “presente”, que é suficiente para neutralizá-la, ou desconstruí-la.

C.M.Barroso – Centro de Cultura Raul de Leoni


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